Oi,
Essa é uma edição da Tá Todo Mundo Tentando, uma newsletter sobre a vida nos anos 2020, com envios todas as sextas-feiras de manhã.
Nessa edição você vai achar:
ilustração do El Cerdo
texto sobre o Curso Livre de Preparação de Escritores, tradicional programa de formação de SP
Como sempre, para falar comigo é só responder esse email, ou deixar um comentário abaixo.
Um beijo e até semana que vem,
g.
Na Av. Paulista, bem ali onde ela começa, perto da 13 de Maio, existe uma casa. Um casarão. Um dos últimos casarões sobreviventes da época em que a Paulista era uma passagem larga margeada de casas com áreas verdes, varandas e portões e habitadas por famílias ricas da cidade.
Essa casa tem um grande jardim de rosas que, bem cuidado, floresce quase o ano todo e todo mundo pode visitar. Fica perto de um hospital-maternidade com nome de santa e um edifício com nome de rainha e de três centros culturais importantes, todos gratuitos. De fora não dá para saber, mas quem entra na casa sabe, por dentro, ela tem lindos azulejos coloridos nos pisos, recentemente restaurados, que tem enormes pias de louça branca, que tem um fóssil no chão de uma das salas do térreo, batizado Rosalita, após votação popular:
Também tem janelas redondas de vidro, e escadas de madeira que rangem com as pisadas dos administradores e visitantes. Ninguém mora lá.
A casa foi construída nos anos 1930 para ser residência da mesma família que construiu boa parte dos edifícios hoje históricos da cidade, como a Pinacoteca, o Theatro Municipal e o Edifício dos Correios E residência ela foi até os anos 1980, quando a família cedeu o imóvel para o Departamento de Patrimônio Histórico, sob a condição de que fosse preservada.
A casa não tem moradores, mas tem alunos. Esses habitam algumas das salas em atividades especiais, com diferentes assuntos e durações. Os alunos do Clipe, por exemplo, ocupam a sala no final da escada, a mais alta, sem janelas e com cadeiras dispostas em fileiras — que quase sempre mudam para ficar em círculo.
Clipe significa Curso Livre de Preparação de Escritores, e já formou umas 800 pessoas em turmas de prosa, poesia e ensaio — uma iniciativa importantíssima na construção de futuros escritores e leitores em um país que lê cada vez menos1.
Entrar no Clipe não é fácil. Você tem que ficar de olho nas datas, preencher um formulário, propor um projeto, competir com dezenas de candidatos (talvez mais: dizem que em 2024 foram 2.200 e poucas inscrições) e torcer para uma vaga. Depois, tem que esperar por uma resposta, positiva ou negativa. Eu tentei três vezes, até entrar. Uma vez selecionado, você vai passar o resto do ano na sala no alto da torre, com uma breve interrupção no inverno tropical, cercado de gente que gosta de ler e escrever.
E que escreve bem.
Na primeira aula-evento-reunião, lá no distante mês de fevereiro de 2024, não tinha cadeira para todo mundo sentar. Não era um problema de estrutura, mas de comunicação: parece que um email mal redigido enviado aos candidatos recusados dava a entender que tinham sido aprovados, e quase todo mundo apareceu. Foi uma bagunça, claro, teve gente falando alto depois de não encontrar nome na lista, gente ameaçando processo, gente dizendo que azar seu porque eu sou ótima e deveria estar aqui. Teve também a diretoria da casa tentando entender e explicar.
A aula seguinte, quando começou para valer, tinha a turma que de fato ia seguir até aqui, até o final do ano. Tinha AC gelado demais, e gente anotando com lápis e papel, com celular, com notebook ligado em tomada. Hoje, na última aula, ainda tem tudo isso. Menos algumas pessoas porque a vida vai acontecendo e as pessoas vão se distraindo e mudando de planos e desistindo pelo caminho.
Da turma inicial do começo do ano, sobrevivemos mais da metade. E, ah, que delícia que é para quem ficou. As pessoas se conhecem, se, leem, se ouvem, se criticam. Nas aulas, no grupo de mensagens, no bar. São pessoas que, como eu, já escreviam. E que, também como eu, agora escrevem mais, e melhor. Que ao longo do ano desenvolveram um projeto totalmente diferente daquele proposto no formulário de inscrição de 2023.
Meu encanto maior com o Clipe, que teve sua última aula ontem, 28/11, foi com o talento dos meus colegas de turma. Passei meses lendo e ouvindo meus colegas escreverem sobre traumas, dragões, putaria, gestações, laços familiares, amor, morte, encantados, rios, terra e ar.
Gente vinda de todas as regiões da cidade, de bairros ricos e pobres, da zona oeste e do extremo sul. Gente do teatro, da poesia, da arte, do serviço público, do ensino fundamental, do jornalismo, da tecnologia. Gente de São Paulo, de outras cidades, estados e países. E, no geral, gente talentosa. Gente muito talentosa. Gente muito talentosa que eu provavelmente não conheceria se não estivesse ali.
E que vocês, garanto, vão conhecer em algum momento.
O que é e como participar?
O programa CLIPE é uma iniciativa gratuita, com sede na Casa das Rosas, criada em 2013 pelo Centro de Apoio ao Escritor para fomentar a expressão literária em diferentes estágios, com corpo docente composto por profissionais do meio literário como Cris Judar, Paula Fabrio e Geruza Zelnys. Para 2025, vai passar por uma reformulação. Quando abertas, as inscrições para as próximas turmas estarão no site oficial. Também sempre é anunciado no Instagram da Casa das Rosas.
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Retratos da Leitura 2024: mais da metade dos brasileiros não lê livros (PublishNews)
Adorei, Gaía! Muito bom compartilhar esses meses com todos vocês!
Há mais de 20 anos fora do país, obviamente desconhecia o CLIPE. Existe (ou projeta-se) uma versāo online do programa? Obrigado.