Tá todo mundo tentando: festinhas de apartamento
E eu finalmente li a carta da minha tia
Para ler ouvindo ▶️ “Borderline” da Madonna (óbvio).
Entre os modismos eternos da modernidade paulistana estão festinhas em apartamento, surubas e “Borderline” (o hit da Madonna).
Gosto do hit e da festinha.
Festinha em casa é divertido e funciona em tempos de crise galopante, porque ninguém mais tem R$48 realidades para gastar em um único drink no bar bonito da vez, e em casa dá para levar a garrafa inteira de gim e deixar mais gente bêbada — dá levar outras coisas também, lícitas ou não.
Nesse esquema privado, a faxina é por conta do dono da casa e de quem se dispuser a ajudar na manhã (tarde, noite) seguinte, com cara amassada e gosto horrível na boca, espantando a ressaca moral com uma passada de pano na pia.
Também tem aquela informalidade marota e certo fator-surpresa, porque você nunca sabe com quem vai esbarrar no cantinho do cigarro improvisado na área de serviço, entre o tanque cheio de gelo e as vassouras apoiadas na parede.
O ideal, claro, é não exagerar ao levar gente extra para casa do anfitrião — e muito menos aparecer sem ser convidado. Só que depois de certo horário isso meio sempre acontece (informalidade, lembra?) e talvez você encontre um antigo colega de trabalho, uma amiga de infância, um ex-crush. Talvez a amiga que você levou (após confirmar com a dona da casa que tudo bem!) encontre a terapeuta, as duas bêbadas e evitando olhares. Talvez ali no corredor entre o banheiro e a cozinha você esbarre numa pessoa desconhecida com potencial para ser o amor da sua vida. Talvez você acabe sendo DJ da festinha e comandando o Spotify (“Something in the way you love me won’t let me be”) porque hoje todo mundo é DJ mesmo. Talvez você coma cogumelos, outro modismo perene totalmente dentro da legalidade, e tenha um ataque de risadas delicioso com alguém que nunca viu antes, enquanto sua amiga da escola está encostada na parede se atracando com seu antigo colega de trabalho e daí quando o riso acabar, qual era a piada mesmo? (“If you want me let me know, baby, let it show”), alguém passou a mão na sua bunda e nem é o caso de pegar mal, acredite, porque há duas certezas sobre festinha de apartamento em São Paulo: vai tocar alguma antiga da Madonna (“you keep on pushing my love over the boooooorderline”) e, se a festa for boa, vai acabar na pegação generalizada.
Essa pegação geral pode desenvolver para uma suruba mesmo, e talvez isso aconteça no quarto, mas pode ser na sala ou no banheiro, depende da disposição e informalidade geral. Claro, existe suruba planejada também. Tal dia, horário, endereço. Recipientes com camisinhas de marca boa. Algumas regras ditas, outras subentendidas. Trilha sonora. Luz adequada. Uma playlist. Eu mesma não frequento, só sei que existe. Exceto se todo mundo estiver inventando essas coisas, porque na turma sou a amiga pisciana que acredita em tudo que dizem. Acredito inclusive que as pessoas seguem transando solta e animadamente até a completa exaustão nos finalmentes da festinha epois que fui embora. E sempre vou embora cedo. Sempre.
Por quê? Sempre tem alguém para perguntar. Não é uma pressão, é mais uma curiosidade mesmo, afinal se é sexo senpre tem que gostar? Não é opressão, mas meio que é sim. Poderia responder que, olha só meu amor, há uma epidemia de sífilis acontecendo, a vida lá fora é uma selva, sabe? Aqui dentro, no caso. No apartamento. Dizem que tá rolando muita gonorreia também e pelamordedeus, quem precisa disso? Uma amiga diz que é para parar de me explicar: não tá fim e pronto, não devo satisfação. Obrigada. Posso pegar minha bolsa, casaco, chamar elevador e um carro e ver o que acontece depois em outro lugar, normalmente em casa. Mas ainda pensando: não é exatamente assim e nem é só isso. É não gostar da sensação de “lembro, mas preferia não lembrar”. É não querer encontrar aquele antigo colega de trabalho ou a amiga da escola, ou, misericórdia, um ex-crush mal resolvido na pegação coletiva.
Mas as festinhas de apartamento, adoro. Podem me chamar, prometo ir embora sem alarde quando for hora, sem incomodar ninguém com meu resguardo de mocinha vitoriana. Também prometo tocar “Borderline” quando atacar de DJ. Um hit é sempre um hit.
Rádio Novelo
Eu não sei se você, leitor ou leitora, acompanhou essa história aqui no meu Twitter em algum momento do ano passado:
Bem, se você acompanhou, então vai gostar de saber que li a carta (pela primeira vez!) nesse episódio do Rádio Novelo, o podcast de histórias da mesma produtora do Praia dos Ossos, Retrato Narrado e outros podcasts incríveis que você provavelmente conhece (ou deveria conhecer). É um episódio muito sensível e bem conduzido pela Natália Silva, e só tenho a agradecer pelo cuidado e gentileza em um processo pessoal, que acabou sendo muito importante.
Ran no Mubi
Eu tô muito amiga do Mubi porque eles mandaram uma sacola azul linda e cheia de mimos para minha casa. Mentira (verdade). Na real, eu sou cadastrada no Mubi desde quando era só uma rede social de maníacos por filmes fazendo análise quadro a quadro de extras de Blu-ray da Criterion. E é um tremendo streaming também, O LUGAR para encontrar o que ver em qualquer situação. Dito isso: “Ran”, a adaptação de Rei Lear pelo Kurosawa, está na plataforma.
Gente, o babado da minha amiga encontrando a terapeuta na festinha de arromba aconteceu MESMO
Eu fico maravilhada como eu devo viver em uma realidade paulistana paralela, pois ninguém jamais me convida para esse tipo de evento hehehe.