Tá todo mundo tentando: o gato preto de Gondwana
Gnus, leões, rinocerontes e um gatinho preto.
Para ler ouvindo ▶️ “Girls", do Death in Vegas, uma das grandes bandas dos anos 90-00 que você provavelmente não conhece. É uma faixa atmosférica e instrumental, que ficou famosinha como parte da trilha sonora de Lost in Translation e faz parte do excelente Scorpio Rising, de 2002. Para conhecer mais, comece pela coletânea Milk It, de 2005, que não tem sequer uma faixa mediana, é 10/10.
O gato preto de Gondwana
Na minha primeira tarde em Gondwana, uma reserva natural em formação perto de Cabo das Agulhas, fazia frio de um jeito que não esperava. Eu estava esquentando as mãos com uma xícara de rooibos e vendo o sol laranja gigante descer devagar por cima da cadeia de montanhas que dá nome a reserva, quando um gnu azul entrou no meu campo de visão.
Depois dele, veio outro e mais outro, e logo eram uns seis gnus, cavalos gigantes cinza-azulados, pastando sem a menor curiosidade por mim, pela cabana ou pelo vapor do chá. De repente, uma revoada de pássaros corta o céu, os gnus correm para longe, os insetos param de zunir, e ouço algo se agitar num arbusto próximo. O que sai do mato é um vulto pequeno e preto, de orelhas pontudas, que me olha instante com olhos amarelos enormes. E desaparece de novo.
Na manhã seguinte, na estrada que corta a reserva, o mesmo vulto preto passou correndo na frente do jipe. Melanie, a ranger que me guiou por Gondwana, apontou: é um gato doméstico. Como assim, um gato? Um gatinho preto como a minha Jezebel? Vivendo aqui? Na reserva? Sozinho? Sim, há gatos vivendo em várias reservas, a guia explicou. Bichos domésticos que fogem ou se perdem de fazendas próximas e acabam nas reservas, atraídos pela caça. Acontece com cachorros também, mas enquanto os cães quase sempre buscam se aproximar dos humanos, por segurança e sobrevivência, os gatos ficam bem na natureza e acabam vivendo sozinhos.
Como humana de gatos por toda a vida, achei genial a história do bichano em contato com sua essência carnívora e selvagem. Alguém já tentou pegar? Impossível, disse Melanie. É pequeno e muito ágil. Acredite: é mais fácil pegar um leão. Pensei em sugerir uma caixa de papelão, que todo dono de gato sabe ser irresistível, mas para que prender? Os outros animais não se importam, o gatinho não é nem ameaça e nem comida. Aqui, o Felis catus não tem predadores e vive de pequenos roedores e pássaros e das carcaças deixadas pelos felinos maiores. Tem tudo de que precisa.
Na curta temporada que passei em Gondwana, vi rinocerontes acompanhados por guarda-costas, tão enormes, próximos e quietos que quase dava para tocar. Vi manadas de búfalos. Vi zebras, gazelas e gnus em quantidades dignas de imagens da National Geographic. Vi girafas e elefantes surgindo em meio às árvores nas montanhas, sempre pensando em como são magníficos e como não pareciam combinar com o lugar — aprendi que nem todos os animais de reserva são parte daquele ambiente e muitas vezes estão ali como estratégia de preservação. Já o gatinho preto fazia tanto sentido correndo entre leões por Gondwana quanto ronronando em cima de um sofá com almofadas de veludo.

Ao longo da semana em Gondwana, o gatinho ainda apareceu uma porção de vezes, como que para confirmar que não era miragem. Na terceira vez em que o vi, ele estava num galho de árvore tomando sol. Te juro. Parecia um puma, um bicho majestoso e dono de si, só que com quarenta centímetros de comprimento e cara fofinha. Assim que nos viu, ele se aprumou no galho e saltou para o chão com a graça que qualquer humano de gato conhece, sumindo na vegetação baixa.
No último dia de safári, estávamos buscando leões. Melanie detectou uma movimentação e parou o jipe para observar, mas a alcateia nos ouviu e fugiu. Quando teve certeza que não havia mais nenhum grande felino guardando a caça, parou ao lado da carcaça e, sem sair do carro, mostrou as mordidas ainda frescas, a pele branca e preta arrebentada, o sangue vivo escorrendo para dentro da terra e tingindo o ar de algo metálico.
Quem estava lá e não fugiu? Ele, o gato preto. O bichinho seguia concentrado em rosnar e comer. Melanie sinalizou com as mãos para pedir silêncio e ficamos vendo o corpinho grudado no quadril da zebra morta, com as orelhas para trás e os olhos amarelos semiabertos, roendo a carne da carcaça. A ranger fez menção de empurrar a porta e o gato parou por uma fração de segundo para analisar a situação, antes de sumir de novo.
Não era atração turística, como as girafas levadas de outras partes do continente, e nem precisava de um guarda-costas, como os rinocerontes. O gatinho estava lá porque queria. Um sobrevivente nato, como todos os gatos. O bicho mais legal de Gondwana.
🎸 Bazar Anna Boogie na Roupateca
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A Anna Boogie é stylist e consultora de moda, criadora da Haus Of Boogie, um laboratório de criação de imagem para artistas como Karol Conka, Duda Beat, Pocah e Glória Groove, sempre com looks extravagantes e modernas. Vivendo entre São Paulo e Los Angeles, a Anna passou anos adquirindo peças especiais para o seu acervo, e agora está fazendo essa energia circular. O bazar terá mais de 100 peças, que a Roupateca já está mostrando no Instagram, entre roupas, sapatos, bijous e óculos. Na data, alguns favoritos do acervo da Roupateca também estarão à venda.
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Me lembrou do primeiro episódio de Love, Death and Robots. A humanidade vai acabar e os gatos continuarão.
ROOIBOS ❤️