Para ler ouvindo: Tempo Rei, do Gil (Youtube/Tidal). Esse texto foi escrito há três anos, para Logunā*.
Não é possível negociar com o tempo.
Ele sempre vai passar por cima de absolutamente qualquer coisa: suas alegrias e tristezas, vitórias e derrotas, na saúde e na doença. O tempo faz pouco caso de nossas artimanhas para tentar alterar, mexer com ele de alguma forma. O tempo aceita, no máximo, o registro.
Tempo pode até ser uma convenção social, algo que tem a ver com registros humanos e que varia de acordo com a Linha Internacional de Data. Mas os ritmos circadianos se impõem. Sempre, para todos, em qualquer época. O tempo, portanto, passa. É indiferente.
O tempo não é uma ilusão. Não quando a gente olha no espelho todos os dias. É no rosto que mais se enxerga o tempo passar. Nas mãos, nas coxas, nos peitos e em outras partes também, mas nada marca tanto a passagem do tempo quanto os rostos das pessoas.
Depois de uma certa idade é esperado que se tenha amigas e amigos há mais de quinze, vinte anos. Tenho pessoas na minha vida que não são família e que conheço há três décadas. A passagem do meu tempo está nesses rostos. Não pergunto, não aponto, não tenho coragem de comentar que os olhos estão marcados, que cabelos estão brancos, que boca está caída. Me faria lembrar que o mesmo acontece comigo. Insisto que posso aprender a gostar, quem sabe gostando do envelhecer do outro eu posso gostar também do meu.
Mas o que está por fora é de menos. Me vejo lidando com questões de idade e explicando para amigas mais novas o que elas ainda não podem entender: que nem importa tanto as dores nos ossos ou as ressacas de três dias. O que apavora mesmo é uma ansiedade nova, fortíssima, uma ansiedade sobre o tempo ser finito.
Ainda olho com afeto pro passado, atentando para não afogar na nostalgia. Sou grata por quase tudo que passei. Avancei desenvolvendo versões melhoradas de mim mesma: menos neurótica, mais capaz, com mais convicção, mais coragem, mais preparo para lidar com frustrações inevitáveis. A capacidade de continuar e aprender, mais certa qualidade de me manter mutável, me faz acreditar que há algo bom à frente — desde que, claro, eu cuide pra isso.
Deve ser esse o lance sobre envelhecer: aceitar o que passou com graça, cuidar do que vem com leveza. Pra isso, me organizo. Aprendi a despertar com o sol. Me hidrato, me alimento, mantenho meu corpo flexível. Quando funciono bem, o tempo passa num ritmo que parece correto. Quase. O tempo corre quando estou feliz, envolvida, excitada com algo. E se arrasta quando espero a hora de poder falar, espero as respostas que preciso pra minha vida voltar a andar, espero o dia em que a pessoa que eu quero apareça na minha porta.
E ainda assim, às vezes: não. Às vezes apenas me escondo em temporadas de duração incerta entre minha cama e o sofá azul. Nada além de um lugar confortável pra derramar areia nos olhos e pensar não nas coisas que fiz, mas naquelas que temo não ter mais tempo de fazer. Durmo na falta de tempo.
Então, espero essa transformação estar completa, uma transformação lenta e constante, com um tempo próprio que passa mais estranho por estarmos nesses anos históricos.
Espero sair do outro lado uma mulher feita de olhos sérios e risada alta, roupa quase sempre limpa, lábios quase sempre vermelhos. Espero o dia em que essa mulher vai abrir a porta pra sair pra rua com a mesma vontade com que abre as janelas de manhã pro ar novo entrar.
* Oyá Tempo, ou Logunan, na Umbanda é a Orixá do tempo cronológico e está junto de Oxalá no linha da fé.
Essa edição é um oferecimento da Refúgios Urbanos, uma imobiliária feita por amantes da arquitetura.
Na semana da criança a Refúgios fez uma homenagem envolvendo arquitetura (claro!). O resultado é a versão digital do livro "Prédios de Santos", mas para crianças. Você pode baixar gratuitamente e explorar Santos na companhia do simpático guia Mario-Ucá 🦀 mostrando para as crianças como arquitetura é incrível.
📚 O Gato Perdido, Mary Gaitskill
Talvez fosse isso que eu queria escrever e ainda não escrevi: uma história sobre luto e perda, mas com gatos. É um livro curtinho, pra ler em uma hora, meio memória, meio revisão sentimental. Saiu pela Todavia, compre aqui.
👗 Roupateca #parceria
Estou apaixonadinha pela Roupateca: um acervo ótimo de roupas, em São Paulo, que você pode assinar para retirar/usar/entregar sempre que precisar. A Roupateca funciona em um esquema de assinatura, com diferentes modalidades, e a ideia é facilitar a vida e diminuir o consumo. Pra mim, é uma ótima forma de dar uma variada no armário sem pensar em comprar roupas que vou usar pouco (ou gastar meu suado dinheirinho).
Esse aqui, por exemplo, é o look que eu separei pra usar no Popload Gig, quarta passada: uma calça rosa super confortável (com bolsos!) do acervo da Roupateca + uma camisa e uma bolsa que eu já tinha.
Eu combinei com a turma da Roupateca de experimentar as peças do acervo durante um mês, incluindo mais look pra festival, reunião, viagem de trabalho, rolê com amigas. Vou mostrando aqui pra vocês.
Enquanto isso, corre lá pra conhecer:
💡 Cinco links
Eu, o produtor musical Adriano Cintra e jornalista Marcelo Costa falamos pro site Escotilha sobre os 45 anos de "Heroes", do Bowie.
O Gui Werneck, que fez o nosso guia de lugares legais para ver shows em SP, estreou a newsletter dele, com dicas (muitas dicas) de musica, arte, filmes. Comece por esse post.
E falando de newsletter: a Bits do Brands da Beatriz Guarezi criou um "newsletter club" :)
E falando de Bowie, a turma do podcast Segunda Mão revê o adorável, icônico, obrigatório e groundbreaking "Hedwig" (que tem tudo a ver com Bowie):
Vem aí mais uma edição do ABC da Newsletter, dessa vez com foco em criação de conteúdo:
Interessou? Aqui tem link pra comprar com 15% de desconto ;)
Gaía, esse texto me pegou muuuuuuito! Amei <3
"O tempo corre quando estou feliz, envolvida, excitada com algo. E se arrasta quando espero a hora de poder falar, espero as respostas que preciso pra minha vida voltar a andar, espero o dia em que a pessoa que eu quero apareça na minha porta." Às vezes eu tenho um pouco de medo como parece que você entra na minha cabeça, por favor continue sempre <3