🧨 Tá todo mundo tentando: odiar a internet
O xitter, os tigrinhos, os algoritmos, o excesso de vídeos super curtos que não dizem nada, as fazendas de conteúdo criado por IA e a onipresença de marcas.
Oi,
Essa é uma edição sem paywall da Tá Todo Mundo Tentando, uma newsletter sobre a vida nos anos 2020, com envios todas as sextas-feiras de manhã.
Nessa edição você vai achar:
ilustração do El Cerdo
uma reclamação
link para episódio do Salvei em que indico filmes e outras coisas
uma newsletter sobre desintoxicação digital
link para o curso IRL da Fefê Cardoso que acontece esse sábado em SP
Como sempre, para falar comigo é só responder esse email, ou deixar um comentário abaixo.
Um beijo e até semana que vem,
g.
Você também está odiando a internet?
Ando numa relação ruim com o digital. Ou pelo menos com essa internet que se convencionou chamar de “social” - um termo da época do Orkut, ultrapassado, que não diz nada objetivo, mas remete de imediato a dois pontos: conexões em rede e divulgação. Estamos todos numa relação para lá de tóxica com tudo que diz respeito a “plataformas” de onde é impossível sair sem promover uma reorganização radical da vida. A promessa de uma internet livre virou o xitter, os tigrinhos, os algoritmos, o excesso de vídeos super curtos que não dizem nada, as fazendas de conteúdo criado por IA e baseado em SEO, e aquilo que o Coppola falhou em prever em “Megalópolis”: a onipresença de marcas e corporações. A Nova Roma futurista do incompreensível e imediato clássico cult de 2024 não tem logotipos, mascotes e demais elementos de branding estragando o cenário, o que deve ser suficiente para categorizá-lo como utopia.
Quanto mais eu penso em “Megalópolis” (e o filme tem sido Meu Império Romano1), mais me vejo fazendo esforço para gostar dele. Isso é assunto para outro momento, até porque horas de experiência cinematográfica doidona precisam de algum distanciamento. Por enquanto, basta dizer que em se tratando de futurismo cinematográfico, Philip K. Dick e Ridley Scott já acertaram no século passado2. No mundo palpável, acertou também quem disse que no futuro todo mundo seria famoso. E quem disse que o capitalismo nos tornaria, todos, força de trabalho para um número cada vez menos de pessoas impossivelmente ricas e poderosas. E que a internet beneficiaria uma legião de idiotas3.
De fato, nem todo mundo fica famoso, mas tá quase todo mundo tentando. E nós somos (sim, você também) valor-moeda para um punhado de bilionários, entregando de graça nossos globos oculares, palavras e capacidade de atenção em troca de poder participar dessa suposta praça global, talvez se entreter por alguns segundos, se tornar fã de marca de maquiagem e, com sorte, entrar no jogo da monetização, aprender a participar da “economia da atenção”4.
Não sei você, mas não quero mais ver tanto pedaço de gente, alimentar desesperos por relevância, testemunhar a falta de espaço crônica dada para quem tem talento para criar e não para se vender, a perseguição maníaca por se encaixar em micronichos, buscando não quinze minutos, mas literais nanosegundos de atenção que podem (devem!) ser capitalizados de alguma forma: curso, paywall, cupom, produto. A superexposição de outros me causa dificuldade crescente de aparecer, não só porque a competição é imensa, mas porque me perco, me confundo, me atrapalho na minha própria mensagem, me preocupo com o gráfico que tem que ir sempre para cima enquanto queria, sei lá, me preocupar em editar bem um texto. Apenas.
Talvez por isso a TTMT esteja sendo um projeto tão desafiador (ainda que feliz), e talvez por isso também eu esteja me afastando de um tipo de texto5 e caminhando para outra coisa, uma coisa que ainda não sei o que é. Os textos que “vão bem”, que repercutem e ganham likes, são invariavelmente os emocionais, pessoais, às vezes ácidos, às vezes tristes, em que se reparte algo do fundo do coração, algo com o que as pessoas querem se identificar, de preferência com alguma dor, de preferência na busca por uma realidade que falta em outros espaços.
Esses dependem de emoção genuína e não podem ser regra. Mas imagino/espero que essa demanda seja inevitável em tempos de IA indivisível da IRL, uma realidade manicurada em que desejamos nos reconhecer naquilo que nos faz verdadeiros: falhas, erros, sujeiras, defeitos, culpas.
Se for isso, ótimo, sejamos cúmplices em nossas deficiências naturais, ainda que nadando contra a maré cheia de telas e narrativas, tentando algum tipo de conexão humana enquanto marcas tentam nos convencer de que o chiclete é mais que um chiclete, mas um “amigo de bolso”6, que uma cerveja é um estilo de vida, que você pre-ci-sa de um brilho labial sabor panetone — sempre fingindo ter propósito para nos fazer esquecer que a intenção é apenas uma: enriquecer alguém (que não somos nós).
Qual o limite? Não há. Nem agora, nem nunca. Vai de cada um/a aprender a traçar e impor seus limites, diminuindo o tempo de tela, bloqueando propaganda, consumindo (bem) menos e com (muito) mais consciência.
Sabe o que ajuda? Ler7.
Profundamente, muito e sempre. Pode ser livro modinha da intelectualidade, pode ser hype do booktok, pode ser livro que você curtiu na escola, livro premiado, livro que ninguém ouviu falar.
Pode ser livro que você foi com a cara na vitrine da livraria, pode ser poesia, prosa, não ficção, crônica, russo, indígena, livro curto, livro longo.
São muitas, muitas opções. Em um país em que metade da população simplesmente não lê nada8, e nem pretende, quem sabe ler9 tem um superpoder que não deve, jamais, ser menosprezado.
📻 Salvei
Essa semana eu estou no Salvei, o podcast da ótima
em que Nastacha de Avila e Caroline Holder recebem convidadas para falar de livros, filmes, séries, podcasts, música e outras coisas legais.Minhas dicas são os novos livros de Jean Hanff Korelitz e Vanessa Barbara, filmes de Claire Denis e Steve McQueen na Mubi, podcast de crítica cultural da New Yorker, mas também deu tempo de falar sobre minha obsessão com… Game of Thrones. Afinal, equilíbrio é tudo.
Vai lá:
🍋 Desintoxicação Digital: A Revolução Silenciosa do Nosso Tempo
O assunto de hoje veio de uma conversa com uma amiga, mas é algo que está martelando na minha cabeça há dias semanas meses anos e que acho que
experimentos do neoliberalismo que enxergamos como liberdade conquistada, mas é outra coisa, qualquer outra coisa que não liberdade. o mais novo consumo, cada vez mais especializado, direcionado, ultra valorizado.
Leia e assine aqui:
🧠 Narrativas de Vestir com Fefê Resende
Eu conheço a Fefê tem muitos, muitos anos. Somos de uma geração que ajudou a criar a internet brasileira, tivemos nossos primeiros sites na mesma época (ela de moda e estilo, eu de música) e passamos pelas mesmas fases: comentários, vídeos, redes sociais, a produtificação de si e tudo que veio depois, sempre cada vez mais urgente e cada vez mais rápido. A conversa sobre estar detestando o digital foi com ela, e não é por acaso que nos encontramos em fases parecidas, cuidando de nossos cantinhos digitais e usando nossa nada modesta experiência para formar novos seres pensantes. A Fê age mais IRL do que eu, e vai fazer esse workshop sobre estilo enquanto narrativa, aquela história de que nossas escolhas estéticas dizem muito sobre quem somos, em um encontro presencial, com um monte de exercícios práticos e muita troca cara a cara. É em São Paulo, no próximo sábado.
🗣️ Espalhe a palavra
Se você leu meu livro novo “Tá Todo Mundo Tentando: Histórias Para Ler na Cidade” e gostou dele, tire uns minutinhos para avaliar no GoodReads e/ou deixar um comentário na Amazon. É uma coisa simples que ajuda o livro a chegar até outras pessoas. E se você (ainda) não leu, siga o botão abaixo ;)
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Bom fim-de-semana!
E lembre: para falar comigo, é só responder esse email, ou deixar um comentário:
Um meme venceu na vida quando tem verbete próprio no WikiHow.
Umberto Eco estava certo.
Eu odeio esse termo, mas ele existe.
Baseado em fatos reais: quando eu trabalhei em agência de publicidade ouvi essa frase do pessoal de uma marca popular de chiclete. E, não, chiclete não é amigo de ninguém, é só chiclete.
Resultado da pesquisa Retratos da Leitura 2024, divulgada na última terça-feira. Leia no Publish News.
Concordo com você, Gaía! Ler é uma ótima alternativa e sinto o mesmo, exaustão do digital
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