Para ler ouvindo: "Red Red Wine" (Youtube/Tidal). Essa e outras na playlist da TTMT no Tidal.
Atenção: durante outubro estou enviando textos antigos e atualmente sem lar. Esse aqui é de 2018 e tem correções e uma atualização de leve. Textos fresquinhos só em novembro.
A melhor mudança de comportamento da minha vida foi diminuir a bebida.
Nada contra essa entidade que chamo de "a bebida", é claro. Gosto de beber. Gosto muito. O álcool está comigo há mais tempo do que qualquer um dos meus amigos. Junto com o café, o goró é minha droga.
Comecei com porres de licor quando tinha uns 13 anos. Com a maturidade, as porradinhas de Sprite com cachaça em botecos sórdidos deram lugar à garrafas de vinho em jantares e drinks decentes em bares bem frequentados. Mas já rolou um outro lado, menos divertido, de beber sozinha em casa. Normalmente vinho, às vezes whisky. Tive fase de enxugar uma garrafa sozinha, flertando ali com minha Heleninha interior — não há glamour nenhum aqui.
Melhorei bem na época em que repartia casa com um namorado que quase não bebia. Mas o choque mesmo foi, na sequência, namorar um cara que não bebia nada. Nunca. Ponto. Motivo constante de frustração, já que ambos viajávamos por profissão e bares e restaurantes faziam parte dos programas (que sempre acabavam cedo e no seco).
Depois disso, levei mais de um ano (talvez dois) gastando muito dinheiro com bebida por aí, até começar fazer as perguntas certas e conseguir responder que, mais que minha droga, a bebida é minha muleta.
Não é nenhum insight genial. Qualquer um, bêbado ou não, sabe que a gente bebe para se aceitar, para se soltar, para aceitar o outro, para tomar coragem, para relaxar, para conseguir dormir. Bebe porque o outro está bebendo, porque é líquido, porque gosta, porque é esperado, porque é incentivado, porque é fácil começar, porque é difícil negar, é difícil parar. Bebe porque sim.
Decidi encarar a vida sem essa muleta após uma semana especialmente deprimente ali no final de 2017, o Ano das Más Decisões. Você já acordou sem roupa e com frio no chão da sala com o gato lambendo sua cara e o corpo arrebentando de remorso por causa de duas garrafas de vinho barato? Então. Sem entrar em detalhes da minha situação lastimável enquanto bêbada deprimida, tenho certeza que minhas razões não são muito diferentes das motivações alheias: a vida na cidade sem trabalho, sem dinheiro, sem amigos, sem família e, principalmente, sem perspectiva de melhora. Misture ressaca, rancor e remorso e, pronto, temos um quadro de bad trip ansiosa. Desesperança, real ou inventada, é essencial para depressão.
Mas, sabe, na vida eu já aprendi a ficar sem droga, a comer direito, a me livrar de relação tóxica, a viver sem carro, a tomar sol sem queimar a pele, a gostar de exercícios e de kombucha. Eu pari uma criança, sabe? Eu peguei trem sozinha no extremo sul da Índia. Escrevi um livro. Dirigi uma redação de site com audiência massiva. Eu pago aluguel todo mês. Não dá pra aprender a viver sem uma muleta que me faz tropeçar? Sabe que sim. Claro que dá. Sigo vivendo.
De lá pra cá, na pandemia inclusive, mantenho o álcool em pequenas doses, numa base de uma vez por semana (Carnaval não conta). Pode ser cerveja com amigos após expediente, ou drinks num bar. Descobri que ficar sem beber melhora minha consciência, meu sono, minha pele, minha digestão, minha conta corrente.
E melhora principalmente, o meu acordar. Não tem nada como acordar na própria cama sabendo que não há nada para remoer ao longo do dia. É para celebrar.
Você já parou para pensar no que significa "icônico" quando estamos falando de arquitetura? O Felipe, corretor e especialista da Refúgios, explica:
📚 Flecha, Matilde Campilho
Uma flecha atravessando duas centenas de histórias velozes, às vezes microcontos, crônicas nascidas do que está na mão. O dia a dia como material para literatura. Tem sido meu companheiro pelos cafés do bairro e banhos de banheira. Você pode abrir em qualquer página, a qualquer hora, e encontrar algo— não por acaso, a portuguesa Campilho é poeta. Compre no site da editora.
💡 cinco links legais
Quem são as escritoras brasileiras? Processo coletivo que registra parte da produção literária brasileira para além do que vemos em jornais e revistas, o Um Grande Dia é destaque na Quatro Cinco Um.
A Bia Guarezi, da Bits to Brands, falou no TedX Blumenau sobre a busca por tempo de qualidade, nas redes sociais e na vida.
"Vamos sair melhores dessa" — infelizmente, a ciência diz que não é bem assim, não.
A Juliana Cunha fala sobre a Nobel Annie Ernaux (se você também segue gente letrada nas redes sociais, esse é o assunto de ontem e hoje).
Pra encerrar, uma thread twitter-raiz sobre millennials, gen z e neo-dadaísmo digital, De nada:
Bonito ler assim sobre beber ou parar de beber. Mas sem glamour nenhum, eu não bebo mais. Faz 5 anos. Antes foi dos 13 aos 40, com todas as alegrias e mazelas e todos os porquês que você escreveu tão bem aí.
Meu marido é alcoólatra. Há 5 anos ele se internou, firmou o pé e vive em sobriedade; não apenas limpo, mas em sobriedade. Um cara novo, um pai novo, um novo marido que eu não conhecia. Pela parceria e, porque fui estudar, participar de grupos de cônjuges e entender a doença dele, fui parando. Quando saía com as amigas ainda bebia e tudo bem. Mas, sempre que ia encontrar com ele, não havia motivo pra dar um oi cheirando a cerveja. Daí com pandemia e só vivendo dentro de casa, todos juntos, parei de vez. Mês passado, fiz um hh, quis gastar minha bateria social e tomei 2 drinks: foi bem ruim. Então entendi: igual o baseado que larguei em 2007 pra nunca mais voltar, bebida não é mais pra mim. Não é a minha droga, não é mais nada que seja eu hoje. Acho que pra você talvez também não seja.
Quando a pandemia nos abateu, beber menos foi uma das primeiras decisões que tomei. Sabia que deprimiria 'naturalmente' com o mundo definhando e tomei essa medida preventiva. Sinto que foi crucial pra ter mantido um tanto de sanidade e de um corpo menos fraco. Bom te ler!