Tá todo mundo tentando: sonhos pacatos
Av Paulista, uma casa do Ruy Ohtake por dentro, Pingback no RD Summit, desconto pra quem quiser conhecer a Roupateca
Para ler ouvindo: Heroin, do Velvet (Youtube/Tidal). Lembrei que, apesar de ser minha banda preferida, nunca tinha indicado aqui. Agora tá na playlist com todas as indicações de musica da newsletter (no Tidal).
Uma mulher simples de sonhos pacatos
(São Paulo, agosto 2020)
Efeito da pandemia: achei que era feliz por morar aqui. Não sou. Enchi a boca pra dizer “moro na Paulista” como se isso representasse algum tipo de conquista. Morar em São Paulo, agora, só me faz sentir trouxa.
É verdade que amei a vida citadina e que minha certidão de nascimento sempre será paulistana de origem meio caipira e meio europeia. Paulistana de família meio malufista, meio tucana. Paulistana meio arrogante, meio gente fina. Paulistana que morou em muitas partes e só se sentiu em casa no centro expandido. Agora, enfim, paulistana com urgência de ir embora.
Já tentei, e voltei. Na época não fui longe o suficiente, incapaz de cortar laços afetivos, profissionais e familiares. Não enxergava a vida lá na frente. Hoje enxergo. Me vejo na cúspide entre duas metades de vida e não quero que a segunda metade seja como a primeira.
Depois de ter vivido (aproveitado muito, sim, mas nem sempre) a vida urbana, essa coisa de melhor cidade da América do Sul, talvez agora eu mereça algum idílio. Talvez eu só esteja profundamente entediada com essa falta de tudo durante essa quarentena sem previsão de fim, vivendo dias repetidos e morosos onde cuidar da própria vida é tudo que existe. Talvez eu esteja influenciada pela minha mãe, pelo meu pai, pela minha irmã, pela minha tia e por uma porção de amigos mais espertos do que eu que já foram ou estão indo embora. Talvez eu queira desafiar o magnetismo de São Paulo. Talvez esteja me preparando para ter uma segunda chance em Oaxaca, Navarino, Veneza, Portland, Fort Cochin.
Talvez seja só um rebote tardio das palavras dele, sentado na cozinha tomando café como eu tomo (forte, sem açúcar), meio chapado, teorizando que o tempo das cidades acabou, que não há futuro possível. Eu, também meio chapada, acenando com a cabeça, pensando em como interromper o fluxo verborrágico. Duas noites depois, olhando de outro jeito para a Paulista, meu quintal, comecei a pensar que que meu tempo na cidade acabou e meu coração afundou um pouco.
A Paulista é a memória mais constante da cidade onde nasci e morei a vida toda. Minha lembrança mais antiga é das chuvas de papel picado a cada último dia útil de cada ano, que passava na televisão. Na adolescência eu usava a Paulista como local de passeio com as amigas da escola, algo que ficou fácil depois da inauguração das três estações de metrô. Cada trecho da avenida tem uma história, mesmo quando fica em outro endereço, como as diferentes encarnações do Riviera, onde bebi muito e nem sempre bem, ou o hospital Oswaldo Cruz, palco das muitas internações da minha avó já senil. Andar na Paulista é lembrar de ver sozinha filmes no Belas Artes, onde ninguém pedia documento. De pegar ônibus na Consolação que ainda não tinha corredor. Do primeiro de janeiro desse ano, chegando em casa às seis da manhã depois de uma briga enorme, batendo o salto firme da sandália no asfalto, o rosto cheio de rímel e fúria. Sair do motel na frente do Ponto Chic numa tarde de terça-feira, meio envergonhada mas satisfeita. Entrevistar o Péricles no prédio mal assombrado da esquina da Peixoto. Terminar um namoro no vão do MASP, indiferente a dor que era capaz de causar em alguém. Me esconder das bombas de gás do Choque com a Adriana atrás de uma árvore no Trianon. Descer a Augusta pro Centro com isopor de cerveja antes das 11 da manhã de Carnaval. Um beijo de despedida roubado, apressado e cheio de expectativa, na faixa de pedestres na frente do Conjunto Nacional. A Paulista em situação de pós-guerra, aquele monte de mijo, lixo, gente desmaiada e cheiro de arrependimento, depois de cada Parada anual. Meu amigo enxugando meu rosto com a própria camiseta, dentro do Trianon num dia de calor em que eu não sabia o que era lágrima e o que era suor. Ver a saída da São Silvestre pela janela. Tentar fazer aula de italiano no Instituto Italiano de Cultura para desistir depois de um mês. Colocar um disco do Velvet pra andar a Paulista inteira e acalmar a cabeça. Colocar um podcast de manhã para andar a Paulista inteira e acordar o corpo. Escrever sentada no café dos fundos do segundo andar da Martins Fontes. Comer sashimi pela primeira vez, com uns 20 e poucos anos, em um restaurante minúsculo dentro de uma galeria na esquina da Brigadeiro — ele ainda está lá. Descer a escada secreta até o chão da 9 de Julho por dentro do café do Mirante. A brecha de visão por onde passaram os carros buzinando no dia em que o Lula foi preso. Chorar vendo o Lula discursar para 300 mil pessoas, que os jornais não noticiaram, de braços dados com um carteiro e uma professora. Ver o Lorenzo deslizar de skate entre a desmontagem do palco depois do réveillon de 2018. Incontáveis protestos com diferentes graus de adesão no vão do MASP. Ver um grupo de moças trans saindo felizes de dentro da UAM, comemorando a matrícula de uma delas na universidade. O Ilú Obá cantando pra Oxalá quando a Marielle foi assassinada. A Iza cantando “Diamonds” acapella em cima de um trio elétrico. As muitas exposições do MASP, no Itaú Cultural, no SESC, no IMS, no MASP, na Japan House e sessões de cinema na Augusta, no Belas Artes, no Conjunto Nacional, no Cidade São Paulo, no Top Cine. A última sessão de cinema do Astor. A entrada na Paulista na linha de frente do enorme protesto das mulheres de fins de 2018 ao lado do homem que é pai do meu filho. Os entregadores voando em bandos pela faixa central da Paulista esvaziada e sinistra durante as noites de pandemia. Aquela vez, quando eu tinha uns 15 anos, que dei dinheiro pra um mendigo, falei que era pro ônibus mas que não tinha problema, que eu podia ir andando, que era mais importante ele comer, e ele me benzeu e eu entendi que benzimento e incorporação era verdade e acontecia assim, sem pedir, no meio da rua. Também teve aquele desconhecido que parou pra me dizer que um dia isso ia acabar e que eu ia ser muito rica e feliz — quando esse dia vai chegar, por favor? Pegar ônibus com o Pikachu guitarrista exausto, dormindo de atravessado no banco da frente. A noite em que uma senhorinha parou pra me avisar de um arrastão. Pegar ônibus pra ir trabalhar na agência de publicidade, pegar ônibus pra ir trabalhar na redação do BuzzFeed, ser roubada no ônibus cheio na volta pra casa em horário de rush. O tio doido que gritava sobre o fim do mundo nas tarde de sexta na esquina da Augusta— será que ele sobreviveu? Quando eu tomei café com um amigo no IMS depois de uns seis anos sem nos falarmos e conversamos como se fosse ontem. Quando eu e o Victor comemoramos o fato de estarmos assalariados e gastamos dinheiro sem dó num almoço de gente rica no Balaio e depois vimos o Suplicy cantar “Blowing in the Wind” na rua tendo um ataque de riso. Quando fui jantar com uma amiga no Spot e ela disse que precisava de ajuda pra parar com a cocaína mas ficava indo cheirar no banheiro a cada dez minutos. Todas as vezes em que voltei pra casa a pé, bêbada, feliz e cantando. Aquela vez que voltei pra casa andando, chorando, e infelizmente muito lúcida numa madrugada pós-festa em que tudo deu errado. Quando eu fiquei esperando a Soninha passar de táxi pra me buscar na esquina da Peixoto, vestindo apenas maiô e sapatos de salto, na neblina das oito da manhã. O dia em que expliquei pro meu filho, então criança, que a gente ia morar no coração da cidade (sim, porque o Centro Velho é o berço, o Theatro é a alma, a Paulista é o coração e todo resto é o enorme corpo desconjuntado) certa de que ia valer a pena apesar da poeira, do barulho e do preço.
E valeu. Mas passou. Não há mais muitos como nós e teremos cada vez menos espaço, menos energia e menos dinheiro. Atravessando a avenida na frente do totem luminoso que é o prédio da FIESP, penso que talvez seja a hora de envelhecer uma mulher simples de sonhos pacatos, tentar uma vida com menos interrupções, recebendo amigos nos fins de semana e ficando sozinha todo o resto do tempo. Sonho com ter finalmente um lugar meu. Um lugar em que eu possa fazer meu fogo do tamanho que eu quiser.
Você já imaginou como é por dentro uma casa projetada por um grande arquiteto? Nesse vídeo, o Octavio Pontedura, um dos sócios da Refúgios, mostra detalhes interiores de uma casa assinada pelo Ruy Ohtake:
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💡 Cinco links
Semana que vem estarei no RD Summit. Quem vem?
O que as novelas dizem sobre o Brasil? Quando se trata das novelas de Dias Gomes, muita coisa. Esse texto, em celebração aos 100 anos do autor, vai fundo na criação dessa forma tão brasileira de contar histórias.
Vem aí: O Texto e o Tempo, um ciclo de encontros online para entusiastas de newsletters de literatura:
Você gosta de máquinas de escrever? Então você vai adorar conhecer o trabalho do Louis, que recebe, restaura e revende máquinas de escrever. Ele é um mestre do assunto e nessa reportagem do TAB conta a história dessa paixão pelas máquinas.
O Tiago @elcerdo, que faz as ilustras que você vê toda semana aqui na TTMT, postou um bonito vídeo sobre seu processo de desenho:
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O Guia Paulicéia dessa semana é da jornalista carioca Fabiane Pereira contanto o que gosta de fazer quando está em São Paulo:
chorei
Adorei o texto. Me deu vontade de escrever um texto sobre minha nova morada, numa vila de três ruas. Quem sabe eu escreva. Abraço carinhoso. Carliza.