Tá Todo Mundo Tentando: dizer não
Quando ouvi as palavras “Transtorno de Estresse Pós-Traumático” do psiquiatra, achei forte, mas não excessivo.
Para ouvir lendo: "Godsend", do Beat Happening. Que banda peculiar, não? O Beat Happening foi um acontecimento na cena indie/punk de Washington nos anos 1980. É uma injustiça que seja tão pouco citada, considerando que esteve na gênese da Sub Pop e da K Records — dois selos essenciais para o rock noventista e tudo que veio dali. “Godsend” está no “You Turn Me On", de 1992, o último disco, ainda carregando a crueza de guitarras com certa doçura na voz de Heather Lewis, que repartia vocais com o líder da banda, Calvin Johnson. Se quiser saber mais (sim, faz bem) vai nesse post do Pequenos Clássicos Perdidos. Ah, sim: tá na playlist da TTMT no Spotify.
Um ano para dizer não
Já não estava fácil. Mas 2020 trouxe um novo tipo de estresse com o qual, três anos depois, sigo tentando lidar. Começou como uma agonia intensa e confusão mental, passou por problemas de saúde mal diagnosticados e, enfim, numa coisa chamada TEPT (com selo do psiquiatra) que me fez questionar a firmeza da minha casca. A fala mais importante do médico que acompanhou esse processo foi: trauma não é exclusivo de sobreviventes de guerra ou de vítimas de violência físicas. Um trauma é muita coisa. E o que foram os últimos anos da vida no Brasil se não um longo episódio traumático que ainda tentamos digerir? Lembro da tarde em que o céu de São Paulo ficou preto às duas da tarde, a cidade coberta por cinzas de floresta queimada. Vi as carreatas da morte passarem debaixo da minha janela na Paulista. Passei meses fazendo e distribuindo marmitas, vendo de perto a tragédia humanitária de São Paulo. Vi os acampamentos de famílias vivendo debaixo de sacos pretos tomarem calçadas da Al Santos. Uma garota que não devia ter mais de 13 anos morrer de tossir no vão do MASP. Não perdi ninguém próximo para a Covid, mas tive muito medo pelo meu filho, pela minha mãe, por mim. Dezenas de amigos e amigas viveram lutos confusos e profundos, perdendo pessoas para uma política de estado cruel (não há outra palavra) com uma massiva e bem-sucedida campanha de desinformação da qual todos fomos vítimas. No meio disso, peguei absolutamente todo trabalho que apareceu no caminho, grande ou pequeno. Houve um período em que escrevi quatro (!) edições de newsletters por semana, enquanto cozinhava na cozinha solidária e fazia freelas. Portanto, quando ouvi as palavras “Transtorno de Estresse Pós-Traumático” do psiquiatra, achei forte mas não excessivo. Excessivo era o que eu tava vivendo, o que vivemos todos. Ouvir isso me deu algum contexto. Não estou louca, não é drama, existe um nome e um tratamento. Um ano depois, já desmamada da medicação, voltei a sentir os sintomas da ansiedade galopante. Pequenas frustrações que se transformam em problemas agudos. Expectativas banais que ganham contornos desesperados. Atravessar a rua na esquina de casa pode ser perigoso: estou sempre com pressa, com a cabeça em outro lugar. Dessa vez, ando tentando lidar de outra forma. Tem funcionado, mas são sei se funcionar é a palavra certa. Precisei fechar algumas portas e outras tantas janelas. Egoísta, distante, fechada — sim, o tempo não é de suprir expectativas alheias. Olho as coisas de longe e guardo meus muitos achismos pra mim mesma. Digo muito não, em especial para qualquer coisa que me faça sentir soterrada pelo que não é meu — não, agora não, não quero, não vou. Sou uma pessoa com pouco espaço e nenhum tempo disponível. Pode chamar de mesquinha, eu lido com isso. É que, além do bem-vindo silêncio, abre tanto espaço para o sim, já notou? E, de fato, em alguns dias, algumas noites, há tanto sim quanto nos “Milagres do Povo” do Caetano. Dá trabalho traçar limites, mas são eles que abrem espaço para as farturas que consigo construir. E que construo. Um tijolinho de cada vez.
ABC da Newsletter em setembro!
Pra quê serve uma newsletter? Por onde começa? No quê prestar atenção? Quais plataformas existem além do Substack? Em resumo: COMO FAZ? Bom, o meu curso ABC da Newsletter tá aí pra resolver essa e outras questões que atormentam quem quer começar uma newsletter, mas não sabe (ainda) por onde começar OU que já tem uma newsletter quer melhorá-la de alguma forma. É seu caso? Então corre aqui, que a edição desse mês acontece em parceria com o pessoal da Escola de Conteúdo: são duas aulas de duas horas, dias 19 e 21/09. É via Zoom, e fica gravado pra quem quiser ver depois!
Girinho de newsletters
🍿 O amigo Cirilo Dias escreveu na Coifa sobre a maravilha que é a pipoca. Ele elenca algumas das melhores pipocas de cinema de São Paulo e dá espaço digno para as pipocas industrializadas também.
🐋 A Gabriela Ventura fez um post ótimo sobre a revolta brincalhona das orcas — você sabe, os cetáceos que andam atacando barcos nos mares do norte.
🤗 Muito bonito o post de ontem da Cami Yahn sobre felicidade e possibilidade.
👠 A Susan Borgo fez uma boa análise sobre o que não funcionou na segunda temporada de “…And Just Like That”. Tem um pouco do que funcionou também. Que dá pra resumir em duas palavras: Seema Patel.
🌹 Eu quero romantizar minha vida. Olhar pela janela do ônibus como se estivesse num filme. Andar pela rua com trilha sonora marcante. A Teoricamente explicou bem esse sentimento.
Para você que chegou até aqui
Essa coisa de que “a gente acha tudo na internet” é uma falácia. Procurei, mas não achei “Survival of the Coolest”, o único disco do Supreme Cool Beings, aprimeira banda da Heather Lewis e primeiro lançamento da K Records (se você leu o curto parágrafo sobre o Beat Happening lá em cima, vai entender). Confesso que é uma pesquisa mais justificada pelo ótimo nome da banda do que pela musicalidade, digamos, amadora do rolê todo. Mas não nego que é divertido esse registro misterioso, aparentemente tirado de uma fita cassete largada num porão mofado de Washington.
que lindo esse <3
sabe que tô num lugar parecido? dois meses antes de completar um ano sem remédio psiquiátrico voltaram as crises de herpes violentas e toda semana, e vi a qualidade do meu sono piorar pouco a pouco. teve um evento estressante que desencadeou mas acho que faz parte daquele ciclo ainda. semana que vem tô de volta no psiquiatra 🔪 meio a contragosto mas esgotei os recursos já