Tá todo mundo tentando: ser gentil
Midlake, Uno Mille branco, Mary Gaitskill, Sex Pistols e yoga
Para ler ouvindo ▶️ esse remix lindo para “Roscoe” (whenever I was a child I wondered what if my name changed into something more productive like Roscoe, você pode imaginar que me identifico) do Midlake, banda texana que fez parte da cena alt-folk rock dos anos 2010, ficou oito anos em hiato e lançou disco em 2022 — a Paste Mag deu 6.7. O remix é do Beyond The Wizard’s Sleeve, duo do Erol Alkan (discopunk!) e do Richard Norris (DJ, produtor, critico inglês) que fez remixes p gente como Chemical Brothers e Goldfrapp. Tudo sobre esse pequeno parágrafo é muito 2013, menos essa parte: playlist da Tá Todo Mundo Tentando no Spotify — sim, vocês pediram e eu mudei de plataforma, de nada :)
Gentileza.
Era 1994, talvez 1995. Eu dirigia um Uno Mille branco todo detonado e sem documento, que usava entre minha casa na Vila Romana e o trabalho numa produtora “web”, uma das primeiras do Brasil, numa casa no Jardim America. O semáforo da João Moura com a Rebouças era parte do caminho. Ali onde até hoje há uma galeria de arte grande, com obras em janelas que dão para o trânsito.
Eu não fazia faculdade e a vida, além do trabalho, era dedicada aos amigos e festas que duravam finais de semana inteiros. Era onde eu extravasava raiva. Sempre senti muita raiva.
Na pré-adolescência, essa raiva saiu na em surtos e delinquência, e só na juventude comecei a expressar de outras formas: escrevendo, desenhando, dançando por horas numa caixa preta iluminada por estrobo. Ali quase ninguém falava e a comunicação se dava por toques e movimentos. Éramos todos jovens, éramos todos meio fodidos e éramos todos muito lindos também. A raiva foi dando lugar ao amor imenso pelos meus amigos e pelo meu namorado, que também dirigia o Uninho branco, e nos levava para praias e montanhas, sempre só nós dois, às vezes só com o dinheiro da gasolina e nada mais.
Mas a raiva às vezes também criava grandes turbulências. Elas podiam começar a qualquer momento e se arrastar por dias, tingindo as semanas com tons de angústia e desconexão. Naquela noite, talvez 1994 ou 1995, dentro do Uninho na esquina da galeria de arte, tinha essa raiva estampada no rosto olhando para o nada na direção do carro ao lado, onde uma mulher mais velha me encarava de volta, sorrindo, com as mãos no volante. Apertei mais os olhos, cerrando a boca e enrugando a testa. Ela tirou as mãos do volante, puxando os cantos do sorriso com os indicadores e abrindo a boca até mostrar os dentes. Sorri de volta, espontaneamente. E ri. Ela riu comigo até sinal ficar verde e partir.
Agora é 2023. Não lembro o que aconteceu com o Uninho. Quase tudo mudou. Às vezes, a raiva some por uns tempos. Mas ela está sempre ali. A diferença é que hoje tento, sempre que possível, temperar essa raiva com gentileza.
Há quem confunda gentileza com superficialidade, leviandade, ingenuidade. Não me importo. Sigo buscando um distanciamento tranquilo, um espaço para respirar, alguma catarse, física ou intelectual, que me permita extravasar quando necessário. Sigo valorizando manhãs tranquilas, temporadas de poda, sonhos e uma jogação leve.
Talvez seja isso. Talvez envelhecer seja sobre praticar a gentileza. Comigo, com as pessoas ao meu redor, com minhas histórias, desejos e frustrações. Não é acaso que coisas do meu passado, anedotas desconfortáveis ou memórias quentinhas, estejam voltando agora que estou na segunda metade da vida: quem eu sou depende do quanto consigo lidar com aquilo que fui. Se não, o que sobra? Ninguém sobrevive impunemente. Ninguém sai daqui vivo.
📖 Mau Comportamento, Mary Gaitskill
Contos bem curtinhos sobre afeto, tesão, mania e como essas coisas vêm num mesmo pacote. Não é nem de longe um livro pornográfico, mas sexo é central em todas as histórias e é através dele que a Gaitskill nos convence a acompanhar personagens às vezes detestáveis — nisso é perfeito outro título da autora editado em português pela Fósforo, o conto “Isso é Prazer”. Compre na Dois Pontos.
📺 Pistol
Infelizmente, não tenho distanciamento suficiente para julgar porque punk rock fala muito alto no meu coração, e mesmo que seja uma pessoa mais Clash que Sex Pistols as cenas de raiva e euforia adolescente me pegam — mas não pegou o Guardian. A série tem só seis episódios, suficientes para contar a breve e trágica história da banda, dirigidos pelo Danny Boyle, com base nas autobiografias “Lonely Boy: Tales From A Sex Pistol”, do Steve Jones e “I Was a Teenage Sex Pistol”, do Glen Matlock. Atenção: a Pamela Rooke é a Maisye Williams. Tá no Star+.
💌 Te Escrevo Cartas
A Paula escreve cartas. Por isso, toda edição dela no Substack tem esse tom muito pessoal de quem escreve com endereço certo. A carta Endereço Completo, de 20/01, fala sobre corpo de um jeito que nós que fomos jovenzinhas quando o padrão de beleza era a Cindy Crawford (e logo depois a Kate Moss) entendemos. Ela parte daí para falar de capacitismo, inadequação, esporte e raiva. Sempre ela, a raiva.
🧘♀️ Aulas de yoga na Estela Passoni
A turma da Estela Passoni, restaurante adorável que recomendei aqui no guia de lugares para almoçar em Pinheiros, muito gentilmente me convidou e fui lá experimentar a aula de yoga do espaço. Escolhi Vinyasa, uma prática bem dinâmica, com séries de movimentos sempre parecidos, que você vai aperfeiçoando a cada aula. Também tem Hatha, mais leve e com bastante meditação (normalmente é o primeiro tipo de yoga que alguém pratica, o que não significa que seja “mais fácil”) e Kundalini, que trabalha com a ativação de energias a partir dos chacras. O espaço é ótimo, uma sala ampla e arejada nos fundos do restaurante — por isso as aulas não acontecem em horário de funcionamento do salão, assim dá para manter a tranquilidade geral. Para saber preço e condições, fale direto com eles no Instagram. Turmas todos os dias, de manhã cedo e no fim da tarde:
✍🏼 Por que ter uma newsletter no Substack
Não existe, hoje, espaço mais adequado para quem escreve na internet do que o Substack. Assim como aconteceu com vídeos no Youtube e com imagens no Instagram, o Substack caminha para se tornar O Lugar do conteúdo escrito online, na frente de qualquer outra plataforma. Isso é muito devido à simplicidade da interface — você pode copiar e colar um texto do Google Docs e o dashboard vai entender a formatação, e uma vez que o texto esteja escrito a publicação toma alguns minutos (mesmo). Mas listo mais três motivos:
Comunidade: essa é uma palavrinha superutilizada, mas que faz sentido aqui. A opção de recomendar newsletters funciona muito bem. Prova é que quase 40% dos meus assinantes de abril/22 (quando a funcionalidade estreou) para cá vem de dentro da própria plataforma, seguindo recomendações de pessoas que leem e gostam da TTMT (ou seja: de seres humanos). Isso é um alívio para quem, como eu, tem cada vez menos vontade de ficar “engajando” em rede social. Além disso, a plataforma promove encontros virtuais toda semana, os Office Hours, em que Substackers podem trocar entre si, falar com a equipe ou com autores famosos sobre temas como monetização ou funcionalidades, e descobrir novas newsletters.
Paywall opcional: eu não recomendo que você tente levantar do zero uma newsletter com paywall (ou seja: cobrando pelo acesso a todo ou uma parte do conteúdo publicado). É menos difícil fazer isso uma vez que você já tenha leitores te acompanhando, e mesmo assim o processo é demorado. Mas seja lá quando, ou por que, você for cobrar, o Substack tem um sistema facílimo. A configuração é muito simples e seu rico dinheirinho pinga direto na sua conta — como em qualquer outra plataforma de monetização de comunidade. A vantagem está na flexibilidade: é bastante fácil definir o que fica atrás do paywall. Posso, por exemplo, enviar uma newsletter apenas para apoiadores e abri-lo para todos após alguns dias. Posso filtrar minha lista para enviar emails para os apoiadores mensais ou anuais. Posso enviar um email para a toda a base e incluir, em um ponto exato, em que momento o paywall vai (ou não!) aparecer, inclusive incluindo uma mensagem simpática para possíveis interessados. Posso criar cupons de desconto dando acesso temporário para quem quiser conhecer o arquivo (aqui tem um!) antes de se comprometer com uma assinatura. Enfim, funciona bem se você for um pouco criativo com essa coisa de vendas. Ah: e se um dia você quiser sair e levar seus leitores com você, o processo é muito simples. A lista é sua. Fim.
Novidades (quase) toda semana: algumas funcionalidades recentes do Substack são a opção de embed de áudio (eu uso), o chat (não uso), melhorias das estatísticas de assinantes (eu amei), um redesign do dashboard, o Substack Reader e um podcast com entrevistas com escritores que usam a plataforma. O melhor lugar para ficar sabendo disso tudo é, claro, uma newsletter. Chama On Substack e tem envio toda semana.
Use o botão abaixo para criar seu Substack e conectar sua publicação com a TTMT — isso não é um link de afiliados ou qualquer tipo de venda, apenas uma ferramenta da plataforma para criar conexões não-algorítmicas:
Encerro contanto que meu curso ABC da Newsletter, com foco em criação para o Substack e gestão de newsletters de conteúdo autoral, volta esse ano. Divulgarei data em breve, por aqui e no Twitter/Instagram.
Como sempre, se quiser falar comigo, é só responder esse email.
Bom finde,
g.
Amei essa parte “quem eu sou depende do quanto consigo lidar com aquilo que fui. Se não, o que sobra? Ninguém sobrevive impunemente. Ninguém sai daqui vivo.” ❤️
Adorei, que bom que a ttmt voltou. A série dos sex pistols tá super na minha lista :) Eu fui uma criança com muita raiva e especialmente impaciência, que conservo até hoje. Acho que parte da raiva se transformou em ironia na minha skin adulta, a energia se manteve em mim de certo modo.