🌎 Tá Todo Mundo Tentando: Tlacolula
Partindo da rodoviária de Oaxaca estado adentro, ouvindo sucessos dos Los Diablitos na caixinha de som do motora.
Para ouvir lendo → “Had To Let Me Go", delicinha da NIte Jewel, alcunha da californiana Ramona Gonzalez (fãs do Goo vão reconhecer). Tá na playlist da Tá Todo Mundo Tentando no Spotify.
Oi,
Ando gostando bem de rever meus textos de viagem — sintoma de ter muita saudade de viajar, claro. Mas também de estar revendo um tanto do que produzi nos últimos dez anos. Esse texto, que não está online em lugar nenhum, foi escrito após uma viagem ao México no final de 2016. Originalmente, tinha uma pegada mais jornalística, com informações sobre linhas de ônibus e localização dos mercados, um tipo de conteúdo que hoje ninguém precisa. Reescrevi com base nas minhas lembranças de Oaxaca, Tlacolula — até hoje, o México é o meu favorito de todos os países que visitei.
Bom finde,
g.
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Tlacolula
“É bem fácil ir sozinha,” disse a simpática moça loira da recepção do hostel, uma mexicana com pedaços de azul e verde no cabelo, falando inglês perfeito. “Você vai gastar menos dinheiro e ter mais tempo indo sozinha. Vai aproveitar mais.” Verdade. Eu estava perguntando sobre uma daquelas tours em que uma van pega turistas em diferentes lugares e passa o dia inteiro visitando pontos de interesse. Não é muito minha cara, mas eu estava viajando há quase um mês e estava cansada de me virar, então a sugestão da moça foi sincera e bem-vinda. Ela me mostrou em um mapa de papel colado no balcão o local para encontrar o ônibus rumo ao mercado de domingo de Tlacolula, no vale oaxaqueño, cerca de 30 quilômetros de Oaxaca capital.
Demorei pra entender onde afinal ficava a rodoviária “de segunda classe” de Oaxaca: a rodoviária é na verdade um apanhado de garagens espalhadas ao redor de dois quarteirões, onde embarcam passageiros para lugares como Mitla, Tule e Monte Alban. Nenhuma passagem custa mais que M$15 (tipo R$2,50) e os ônibus saem sempre de hora em hora. A maioria deles vai para as cidades, vilas e povoados principais do vale de Oaxaca. Não tem a energia “filme estadinudense mostrando países latinos", com gente carregando galinhas. Mas também não é como pegar ônibus na Rodoviária do Tietê. Os ônibus populares em Oaxaca tem vidros quebrados, barulho e poeira, e são usados principalmente pela população que atende os turistas na capital.
Depois de Oaxaca, que é a capital, e do sítio arquelógico de Mitla1, onde estão ruínas e igrejas importantes do estado, Tlacolula de Matamoros2 (você precisa ver os gringos tentando falar!) é a cidade mais importante do estado. Tem um pátio com igreja do século XVI, ruas planas em linha reta, uma rodoviária com loja de conveniência. A van me deixou no posto de gasolina na beira da estrada e só entendi que era o ponto de parada por ter prestado atenção no casal com chapéu de cordinha e camiseta “super dry” (mais pochete para ele, mochilinha impermeável para ela) que estava descendo ali. Turista se reconhece e por mais que meu estilo de viajar não inclua a mesma vestimenta (jeans, camiseta suja por dias de viagem, alpargatas azuis, pano amarrado na cabeça, mochila de algodão com um zíper quebrado) eu também não passaria por moradora local.
Oaxaca é o estado mais indígena do México, e o mercado dominical de Tlacolula3 é um dos melhores lugares para ver essa diversidade. Aqui estão 18 das 65 etnias do país, e também a maior população de bilíngues mexicanos, que falam o espanhol obrigatório sem abandonar seus idiomas nativos. Muitos são descendentes diretos dos povos que viveram ali antes da invasão espanhola. A chegada dos europeus com seu gosto por metais preciosos e genocídio é o acontecimento mais dramático da história relativamente recente, é claro. Mas mesmo antes disso, o que hoje se define no mapa como Oaxaca nunca foi território calmo. Zapotecas, depois mixtecas e astecas ocuparam a região em diferentes épocas e suas guerras por território explicam a variedade étnica local.
O mercado é uma enorme construção de estilo colonial espanhol em pedra amarela perto da igreja, colado na praça principal. Tem paredes internas baixas que formam corredores onde vendedores espalham de chocolates a queijo, de flores frescas a chapulines4 temperados com limão, de ovos frescos a chicharrones5 . Aos domingos, ao redor desse mercado fixo, a coisa cresce de maneira orgânica. Começa na rua da rodoviária e se espalha pelo centro de Tlacolula com vendedores que oferecem pen drives com sucessos musicais da temporada, camisetas dos Vingadores, cestas de fibra plástica colorida trançada como palha ou linguiças apimentadas e nacos de carne que você pode pedir pra assar, temperar e comer ali mesmo. Perus vivos com os pés amarrados, panos de prato, alebrijes6, cerâmicas decorativas ou utilitárias e aguas frescas7 se revezam de forma mais ou menos ordenada – tem de tudo em todo canto. Além das barracas fixas, há os vendedores ambulantes que caminham com os produtos dentro de cestos, oferecendo limão, pimientos ou pedaços de nopal — um tipo de cacto comestível que é a base da comida mexicana do dia a dia.
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