🎧 Para ouvir lendo: Rattlesnakes - Llloyd Cole & the Commotions (Youtube/Tidal) Tô amando essa coisa ds ~jovens descobrindo Kate Bush por causa de Stranger Things. Bora descobrir Lloyd Cole também, com o Commotions ou não.
Recadinho da semana: as newsletters Tá Todo Mundo Tentando e Paulicéia estão passando por mudanças. Quem apoia o Paulicéia recebeu nessa quarta-feira um email explicando que o projeto será encerrado e que o Guia Paulicéia passará a fazer parte da Tá Todo Mundo Tentando. Há alguns motivos pra isso, mas o mais importante é que o Substack Local, o programa de patrocínio que viabilizou o Paulicéia, chegou ao fim e eu vou aproveitar a oportunidade para centralizar meu conteúdo em uma única newsletter. A Tá Todo Mundo Tentando continuará gratuita, enviada toda sexta-feira de manhã com uma crônica e dicas de livros (e outras coisas mais) e, a partir de 01/07, terá o complemento do Guia Paulicéia, minhas onze semanais dicas de coisas legais para fazer em São Paulo, somente para apoiadores. A minha intenção é ao longo dos próximos meses criar mais conteúdos exclusivos para apoiadores, como desconto nos cursos que vou dar no segundo semestre e emails com conteúdos especiais — isso tudo, claro, será bem divulgado por aqui mesmo. Caso você queira, pode apoiar o projeto desde já. E, como sempre, para falar comigo é só dar uma resposta nesse email.
Celeuma da semana no Twitter, o #SwedenGate, foi uma das raras oportunidades de treta online em que a gente acaba aprendendo alguma coisa ao rolar a timeline. Explico: alguém perguntou qual foi a experiência de choque cultural mais estranha que os seguidores já passaram em viagens, e alguém respondeu uma história curta sobre o hóspede ficar fechado no quarto enquanto a família dona da casa come (não por vontade própria). Parece que em algumas culturas nórdicas isso de não dividir comida com as visitas é normal e aceito.
Longe de mim apontar o dedo para pessoas e culturas que não conheço, ainda mais a partir de relatos do Twitter. Mas a repercussão, vocês me desculpem, foi boa demais. Primeiro que rendeu uma porção de explicações histórico-culturais interessantes. E segundo (mas não menos importante) que foi uma delícia ler as respostas das @s de países mediterrâneos, árabes e latinos, em geral países onde não repartir a comida é uma ofensa real.
Não sei se todo mundo que lê aqui sabe, mas viajei bastante na vida, normalmente sozinha — tenho até um livro sobre isso. E comida sempre (sempre!) é parte muito importante dessas viagens. E nunca me deparei com uma situação como a narrada pelo colega no twitter. Pelo contrário. Visitando (a convite) a casa paupérrima da faxineira do templo jainista com quem fiz amizade em Cochin, recebi xícaras de de chai quente, feito na horas, enquanto conversávamos numa mistura estranha de gestos, português e malayalam, sentadas no chão, com a porta aberta para os vizinhos poderem participar. Numa casa de família sobre uma palafita no norte do Amazonas, a caminho do Xixuaú, ganhei suco de fruta e biscoitos de tapioca. Numa visita à Ocupação Nova Palestina, extremo sul da cidade de São Paulo, tinha café quente e água fresca me esperando quando cheguei.
Faz parte da nossa cultura ter muito pouco a oferecer e oferecer mesmo assim. É um dos traços mais bonitos da experiência latina, ainda que nem de longe seja exclusividade nossa: a cultura grega antiga ensina a oferecer comida e abrigo qualquer um que apareça pedindo, a hospitalidade é domínio de Zeus. E em qualquer literatura de viagem o leitor sempre vai se deparar com histórias de recepções calorosas em vilarejos, porque em quase toda parte do mundo o ímpeto de ajudar quem precisa ainda é maior do que a desconfiança — principalmente entre aqueles que de alguma forma passam ou passaram qualquer tipo de aperto na vida.
Repartir refeiçao também é sempre oportunidade para criar boas memórias. Para além de alimentar e prover, colocar uma comida na mesa é desculpa para conversar, trocar, ensinar, aprender — em suma, tudo aquilo que nos faz humanos. O senhor que me alugou quarto em Ushuaia, em abril de 2017, fez questão de repartir comigo seu pão preto com azeite e café — e foi por causa dele que eu acabei atravessando as geleiras da Patagônia a bordo de um navio de carga, vendo orcas e albatrozes pela janela, numa das melhoresviagens que já fiz.
A melhor refeição da minha vida tem tudo a ver com isso. Foi em São Jorge, então uma vila de poucas ruas e sem luz, perto do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em 1998. Eu e meu namorado da época chegamos de ônibus e de carona, sem lugar para ficar. Batemos palma na frente da uma casa que tinha placa oferecendo quartos para visitantes. A dona do lugar chamava Maria, e nos entregou a chave de um quarto pequeno, de tijolos sem reboco, literalmente uma cama com gaveteiro do lado, abastecido com roupa de cama, toalha e cobertores limpos. Nós aceitamos um lanche de pão com presunto e queijo e dormimos, exaustos, acordando antes de todo mundo na manhã seguinte para sair e visitar o Vale da Lua — a pé, claro. Quando voltamos, no começo da noite, a dona Maria nos esperava com mesa posta. Ela e a família toda. “A gente sabia que vocês iam voltar com fome”, disse, nos empurrando para dentro da cozinha. E, de fato, depois de andar vários quilômetros no sol, comendo biscoitos e bebendo água (ah, a juventude), estávamos os dois muito a fim de uma boa refeição. Qualquer coisa serviria. Mas o qualquer coisa da Dona Maria era arroz, feijão, farofa, carne de porco, de frango e de boi, abóbora, mandioca, couve, salada, pão, suco de umas três frutas diferentes, pudim de leite e bolo de sobremesa. Talvez eu esteja esquecendo algo. Começamos tímidos, contando que éramos de São Paulo e que tínhamos chegado ali pra ver o Vale da Lua. E, entre as garfadas, fomos relaxando — a comida era, como você pode imaginar, absolutamente deliciosa, aromática, fresca, bem temperada, com aquele gosto de fogão a lenha e capricho que só comida feita em casa tem. Entre um prato e outro, ouvimos histórias de tromba dágua, de turistas perdidos no parque, de assombração nos campos. Ouvimos moda de viola e fofocas da vila bebendo uma cachaça fortíssima que vinha de uma garrafa pet verde. Aceitamos mais bolo e um dedinho de café. Não lembro mais do momento em que fomos dormir, mas na manhã seguinte, depois de um pãozinho com manteiga e café com leite, nos despedindo com abraços e endereços trocados em pedaços de papel, jurando manter contato. Isso tem (literalmente) 24 anos e ainda hoje eu lembro mais da mesa da Dona Maria do que do Vale da Lua.
PS: já recebi cara feia por pedir mais, sim. Foi na Escócia, país que atravessei de trem e onde na maior parte do tempo fui muito bem tratada, numa degustação de uma destilaria de whisky numa beira de estrada no interior das West Highlands. Virei meu copinho de puro malte diluído em uma colherzinha de água, como manda a etiqueta, e achei absolutamente delicioso. Mas pouco. Quis mais. Pedi. Recebi olhares dignos do feitor do Oliver Twist. Mas recebi também um chorinho. Que eu virei, agradeci e fui embora, deixando pra comprar meu whisky na próxima parada.
🏠 Refúgios Urbanos em Santos
A imobiliária Refúgios Urbanos, conhecida em São Paulo por sua curadoria super especial em arquitetura, agora também está em Santos. É a primeira aposta da empresa fora da capital e Santos, com sua orla cheia de edifícios históricos, é uma escolha que condiz com o espírito de valorização da arquitetura brasileira que é a marca da Refúgios.
“Santos foi nossa escolha, por ter todos os elementos necessários para uma Refúgios Urbanos ser plantada, regada e florescer, mas também por ser uma cidade extremamente agradável e com qualidade de vida” explica nesse post Matteo Gavazzi, sócio-fundador da Refúgios Urbanos à frente da iniciativa. Gavazzi também indica três prédios icônicos da cidade: o Edifício Itamaraty, o Edifício Campos Elíseos e o Edifício Verde Mar (abaixo), “de frente pra orla, de assinatura do Artacho Jurado: inconfundível”.
Para comemorar a novidade, a Refúgios Urbanos acaba de editar e lançar um livro gratuito com 99 preciosidades arquitetônicas de Santos: o livro "Predinhos de Santos”, que pode ser baixado em PDF nesse link.
📚 estou lendo
Importante: esses não são necessariamente livros que eu li, mas que recebi e que merecem recomendação. A TTMT pode ganhar uma pequena porcentagem da venda caso a compra seja efetuada através dos links abaixo. Alguns livros também estão disponíveis em formato Kindle.
Eu sou muito fã da Rosa Montero, escritora jornalista espanhola que tem uma escrita deliciosa. O novo romance saiu pela Todavia e parte de uma premissa ótima: um homem comum que salta de um trem em uma cidade escolhida ao acaso. O livro também é envio do mês do clube Histórias Irresistíveis, da Dois Pontos, vindo com um pôster e de referências para acompanhar a leitura. 🏷️ Compre por R$52,43/R$29,61 (físico/digital)
Cadernos de Viagem Herdados - Nicole Cordery
A autora Nicole Cordery gentilmente mandou o livro com uma dedicatória dizendo que as pessoas a dizem que nossos livros conversam. Essa é uma constatação mais de quem lê do que de quem escreve, e se alguém leu o Mas Você Vai Sozinha e o Cadernos de Viagem Herdados e achou que eles têm a ver, eu fico bastante feliz — o livro da Nicole é muito bonito e inspirado, partindo da premissa “mulher viajante” para falar sobre saudades, diferenças culturais e ritos de passagem. Uma leitura muito gostosa, dessas de mergulhar no sofá junto do livro e de uma xícara de chá quente e viajar junto com as histórias. 🏷️ Compre por R$59,90/R$29,90 (físico/digital)
As Convidadas - Silvana Ocampo
Quarenta e quatro textos curtos, com olhar afiado para o fantástico e para o irônico, na escrita original e sempre peculiar da argentina Silvana Ocampo. Publicado em 1961, As Convidadas é considerado a grande obra de Ocampo, que a coloca no patamar de colegas argentinos como Borges e Bioy Casares. 🏷️ Compre por R$79,90/R$39,90 (físico/digital)
🎧 estou ouvindo
Prestei atenção no alt-j lá em 2012, quando a banda lançou a ótima “Breezeblocks”, que depois fez parte do excelente An Awesome Wave. E confesso que nessa década que passou a banda simplesmente sumiu do meu radar. Só voltei a ela por causa de uma recomendação no Tidal, indicando o disco novo. Chama The Dream e tem uma pegada bem mais etérea e menos dançante do que o alt-j que eu conhecia — sinal dos tempos? maturidade? dá pra considerar que é um disco pandêmico? De qualquer forma tem caído bem como companhia aqui na longa arrumação da mudança. E de quebra também me fez ter alguma fé em algoritmo de recomendação, coisa cada vez mais rara.
ℹ️ tendo noção
Você tem um minutinho para ouvir a palavra do Notion? É o app de organização para organizar toda a sua vida — e isso não é publi, é só uma dica mesmo. Alguém recomendou no Twitter outro dia e eu me cadastrei (uso a versão gratuita/básica) e comecei a usar. No momento tudo que eu faço no dia a dia está no Notion: meus freelas, as newsletters, até a enorme lista de afazeres relacionados à mudança. Mais ou menos como já acontece com o Scrivener (o software de escrita que eu uso desde 2016) tenho a impressão de que estou usando apenas uma pequena parte de todo um potencial — por isso mesmo, aceito dicas de quem também é notioner na vida. Se você ainda não conhece, vai lá: notion.so. De nada \o/
Tá todo mundo tentando: a melhor refeição da vida