Para ler ouvindo: "Delete Forever", da Grimes (Youtube/Tidal)
Carreiras profissionais são coisas engraçadas. Venho de uma família com poucos exemplos de carreira naquele sentido mais tradicional da palavra: a atividade profissional que você escolhe na juventude e segue desenvolvendo ao longo da vida, tipo médico, engenheiro, advogado, esportista ou artista. O que você faz define quem você é (não só no capitalismo tardio) mas vivemos um tempo em que é possível ser muitas coisas e às vezes é preciso equilibrar vários pratinhos ao mesmo tempo. Não apenas no sentido de dar vazão às nossas capacidades humanas, mas de sobreviver mesmo. Anda sendo preciso fazer muito para garantir um pouco.
Além disso, vivemos um tempo em que carreiras de fato se transformam: ou você acompanha ou fica pra trás. Isso explica que jornalistas tenham que rebolar como creators, que profissionais de saúde gravem depoimentos fingindo entrevistas para podcasts para publicar em redes sociais, que negacionistas da ciência ou da história ganhem coluna fixa em jornais de grande circulação e que pessoas aparentemente sem profissão alguma sejam admiradas apenas por saberem usar Instagram.
Levei alguns anos para costurar o patch de escritora no meu uniforme. Escrever, bem ou mal, é de fato o que faço. Todos os dias. Ultimamente andei escrevendo sobre coisas como mercado de créditos de carbono, música eletrônica noventista e projetos de tecnologia sustentável no extremo sul paulistano - essas coisas não aparecem na newsletter mas são o principal do meu trabalho. Talvez escrever seja minha forma de saciar curiosidades e de ocupar o espaço que faz a falta de uma educação formal. Ou talvez tenha sido o que me sobrou para fazer (ainda bem).
Seja como for, o fato é que escrever se tornou minha carreira. E há alguns anos li de alguém na internet (já perdi esse link) uma série de dicas (todo mundo ama dicas!) para “ter uma carreira”. Vale pra escrita, mas vale para qualquer outra coisa. Reescrevi de cabeça o que lembro, mas se você quiser economizar tempo, dá para resumir assim: cuide do seu corpo, da sua cabeça e de como gasta o seu tempo. Ninguém vai fazer isso por você.
Faça exercícios. Se você ainda não fez isso, coloque o exercício físico na sua rotina o mais rápido possível. Pode ser yoga, corrida, zumba, musculação. Pode ser em casa ou numa praça. Pode ser numa academia de bairro ou num estúdio de pilates de luxo. Pode ser calistenia com app gratuito no quarto ou hidroginástica na ACM. Pode ser todos os dias ou aos finais de semana. Existem muitas opções e formatos para quem quer se mexer. Infelizmente, existem também dezenas de motivos para enrolar a decisão. E quanto antes você parar de enrolar, melhor pra você, pro seu corpo e pra sua cabeça – consequentemente, para a sua carreira também. Ter uma rotina de exercícios físicos vai economizar dinheiro com plano de saúde, mas não só: vai te fazer continuar em frente naqueles dias em que parece que nada faz sentido. E vai te fazer dormir, comer, respirar e transar melhor. Dizem que nossa cabeça precisa de três meses para entender a constância de uma atividade como hábito. E esse hábito é construído um dia de cada vez: primeiro uma semana, depois um mês, logo um bimestre, um trimestre, um semestre e quando você ver já passou um ano! É um trabalho de todos os dias e, se tudo der certo, pra vida toda.
Faça terapia. Desculpa o clichê, mas faça sim. Eu não sei se você percebeu, mas viver no capitalismo tardio, em especial no Brasil bolsonarista, é uma barra. Passar por isso sozinho, tentando fazer sentido em um mundo violento, caótico e doente, é demais para qualquer um. Terapia pode ser caro, é verdade, mas existem opções: apps com a mesma mensalidade de um serviço de streaming, grupos com preços populares, aquele terapeuta do seu amigo que faz preço de acordo com o que cada um pode pagar. Considere isso um investimento na sua saúde, um autocuidado, uma experiência de autoconhecimento — terapia é tudo isso, e outras coisas mais. Existem diversas metodologias e formatos e às vezes você não vai se dar bem de cara, mas faz parte do processo. Não desista.
Tenha um hobby. Ver seriado não é hobby — mas fazer filmes caseiros, é. Ouvir música não é hobby— mas aprender um instrumento nas horas vagas, é. Cozinhar pode ser hobby, se você não fizer profissionalmente ou por obrigação. Hobby é um esporte, artesanato, jardinagem, bricolagem, aulas de culinária, clube de vinho, sei lá. Até a leitura e a escrita, se você não é profissional das letras. Um hobby é algo constante que dá prazer, que tira sua cabeça da rotina e a coloca em outro lugar. Um hobby pode ocupar uma hora por dia, uma tarde por semana. Pode ser individual ou coletivo. Mas tem que ser algo que te faça feliz. E vai te fazer muito bem.
Se afaste das redes sociais. Se isso não é possível por algum motivo profissional, tudo bem. Mas não deixe que o trabalho seja uma desculpa para deixar as redes dominarem sua vida privada. Se você está lendo aqui, eu provavelmente nem preciso te dizer que redes sociais são um lixo. Já existem estudos mais do que suficientes para mostrar que as redes são responsáveis por todo tipo de problemas, de ansiedade a desinformação política. O Tom Holland decidiu sair do Twitter e do Instagram e tudo bem que ele não PRECISA disso pra divulgar trabalhos, mas quem sabe sirva de inspiração para tantas pessoas que também não PRECISAM disso na vida – eu acho chiquérrimo e quero ser uma dessas pessoas. Se elas atrapalham sua vida, trate seu vício como vício. Controle quanto tempo você vai dedicar a isso por dia. Instale um time tracker. Procure ajuda. Não é razoável que o Meta seja dono de literalmente horas do seu dia.
Leia. No Kindle, na tela, em papel. Ainda não inventaram nada melhor para a cabeça, e nem vão inventar. Se você escreve, a leitura certamente já faz parte da sua vida, e sempre fará. Mas leia também coisas que não estão na sua bolha imediata. Se você escreve ficção, leia poesia. Se você é ensaísta, leia fantasia. Se seu lance é crônicas, leia longas reportagens. E, seja lá o que for que você escreve, leia os clássicos gregos – eles são muito mais legais do que você imagina, invariavelmente interessantíssimos, e podem vir nos mais diferentes formatos. Vale o clichê: clássicos não são “clássicos” por acaso.
Evite pessoas que sugam sua energia. Talvez você tenha obrigações e responsabilidades com algumas pessoas. Talvez você possa escolher com quem tem obrigações e responsabilidades, talvez não. Mas você não pode estar disponível todos os dias, o tempo todo. Tudo que escrevi acima tem a ver com cuidar de você. Faça isso.
Não se iluda (demais). Mas se iluda um pouquinho, sim. Sem ilusão a gente não levanta da cama de manhã.
O Guia Paulicéia dessa semana traz uma seleção de onze coisas para ver e fazer na 8a Jornada do Patrimônio, que acontece em São Paulo nesse fim de semana. Esse é um conteúdo extra só para apoiadores da TTMT, e você pode assinar aqui para ler a edição da semana e ter acesso a todo o arquivo já publicado.
🏠 Refúgios Urbanos: quatro lugares para conhecer em Pinheiros
Esse post é um oferecimento da Refúgios Urbanos, uma imobiliária feito por (e para!) amantes da arquitetura #publi
O Pequeno Guia Notável Refúgios Urbanos Pinheiros foi criado em parceria da Refúgios Urbanos com o escritório de urbanismo Metrópole 1:1 como um projeto único de pesquisa: registrar as perspectivas de refúgio que os apaixonados pelo bairro têm a compartilhar. O resultado é um apanhado de descobertas, memórias e registros de um universo particular. Você pode baixar o Guia gratuitamente em PDF.
Arte e Cultura: Beco do Lira (Rua Paulo Gontijo, entre as Ruas Artur de Azevedo, Lisboa e Henrique Schaumann)
Eis uma rua para lá de surpreendente, totalmente escondida pelo entorno urbano caótico: Paulo Gontijo. Uma viela que corta por baixo a Rua Artur de Azevedo, na altura do número 778, sentido da avenida Brigadeiro Faria Lima. Ao tomar o lado esquerdo dela nos deparamos com um museu a céu aberto, voltado à grafitagem. Ali encontramos uma antiga e poética produção de Alex Senna, Thiago Gomes, Paulo Von Poser, Vermelho e Crânio, entre outros nomes renomados do grafite nacional. A maioria dos trabalhos encontrados atualmente foram realizados por volta de 2014 e encontram-se em bom estado de conservação. Além dos grafites, os visitantes podem encontrar esculturas e painéis murais cerâmicos. Uma curiosidade: o nome do beco é uma referência à antológica casa noturna Lira Paulistana, que dava fundos à viela. Por lá se apresentaram nomes importantes da música brasileira como Arrigo Barnabé, Luiz Melodia e Itamar Assunção.
Arquitetura: Edifício Tabafer (Rua João Moura, 942)
Projeto de João Batista Villanova Artigas em 1958, essa bela edificação foi “engolida” por novos e altos empreendimentos contemporâneos erguidos no seu entorno nas últimas décadas. Talvez por este motivo, o Tabafer até pudesse passar despercebido aos olhos distraídos dos transeuntes, não fosse por sua charmosa marquise em concreto. O projeto tira partido da inclinação do terreno para criar uma espécie de praça suspensa na lateral esquerda do prédio, em um pavimento acima do nível da entrada. E é ali, a partir desta área comum, que se descortina uma de suas duas fachadas mais interessantes: grandes janelões até o teto nas áreas sociais e charmosas janelas ideais de madeira nas áreas privativas. Na cobertura, um detalhe que reflete a modernidade de seus ideais: uma lavanderia coletiva de onde se pode ter uma vista deslumbrante do bairro e avistar as torres da quase centenária Igreja do Calvário.
Memória: Predinhos da Hípica (Ruas Teodoro Sampaio, Mourato Coelho, Arthur de Azevedo, Navarro de Andrade, Benjamim Egas, Sebastião Velho e Avenida Pedroso de Moraes)
Projeto de Felix Dabus nos anos 1950, esse conjunto de 56 edifícios e 39 sobrados mais parece uma fenda no espaço-tempo, pronta para levar quem passa a uma época, em que a calmaria das ruas e o convívio casual com o que passava do outro lado da calçada, geralmente, resultavam em um bom dia ou boa tarde sorridentes. Essa é a sensação de quem passeia pelas ruas de paralelepípedo do conjunto construído na década de 1950 pela família libanesa Dabus, na área que antigamente pertencia à Sociedade Hípica Paulista. Raduan Dabus, imigrante que chegou ao Brasil em 1985, tornou-se exportador de café e adquiriu esta gleba com o intuito de expandir o patrimônio da família às futuras gerações e cujo filho, Félix, foi responsável pelo projeto de todos os prédios. Valorizadíssimos no mercado imobiliário, estes charmosos “predinhos” proporcionam um estilo de vida quase em extinção em SP, com muros baixos, sem milhares de aparatos tecnológicos de segurança, elevadores ou garagens subterrâneas e é dessa maneira que vivem ali os afortunados de Pinheiros.
Caminhos de descobertas: Escadão Marielle Franco (R. Cristiano Viana acesso para a rua Cardeal Arcoverde)
A escadaria, construída em 1972, assim como muitas outras escadarias na região, foi projetada para conectar diferentes topografias entre as ruas Cristiano Viana e Cardeal Arcoverde. Ao longo dos anos tornou-se ponto de grafitagem e então foram décadas de cabo de guerra entre a prefeitura — que pintava tudo de branco e deixava a escadaria à própria sorte —, grafiteiros e pichadores. Um espaço abandonado tanto pela prefeitura quanto pela população, que evitava usá-lo como rota. Em março de 2018 o espaço foi ressignificado e passou a homenagear a socióloga e política brasileira, Marielle Franco, assassinada naquele mesmo ano, e a partir de então ficou popularmente conhecida com este nome. Para além de uma homenagem, uma galeria urbana a céu aberto.
Conheça esses e outros lugares interessantes do bairro no Pequeno Guia Notável Refúgios Urbanos Pinheiros — baixe agora em PDF.
📚 estou lendo
Importante: os links abaixo são para vendas dos livros em livrarias independentes, para os sites das próprias editoras e/ou dos autores. Eu não ganho nada caso uma venda seja realizada através desses links — mas as livrarias, as editoras e os autores, sim ;)
A Chave Estrela - Primo Levi
Livro do mês no Clube Calhamaço, que faz uma cuidadosa seleção baseada sempre em dicas de livreiros, o romance do autor italiano é uma crítica ao modelo de trabalho no século vinte, através das desventuras de um operário especializado em grandes obras.
Vivo muito vivo - vários autores
15 contos ficcionais inspirados por letras de canções escritas por Caetano Veloso, numa celebração dos 80 anos do artista. Tem nomes como Giovana Madalosso, Jeferson Tenório, Socorro Acioli e Arthur Dapieve. A seleção é do escritor Mateus Baldi (ele mesmo, óbvio, um dedicado fã de Caetano). Compre na Dois Pontos.
Mainá - Karina Buhr
O primeiro da poeta, cantora e compositora baiana tem um quê de encantados e literatura de cordel e tem muito da voz e do ritmo de Karina. Saiu pela Todavia - no site da editora você encontra links para compra.
💡 Vem aí: cursos e palestras
Na próxima semana rola a segunda edição do ABC da Newsletter, com foco em criação e monetização de conteúdos autorais, mas o curso é só uma parte de outras coisas que estou fazendo. Entre agosto e outubro participo de outros cursos e também apresento duas palestras, uma na ESPM e outra no gigantesco RD Summit, em Florianópolis. Links e informações nessa thread:
🎙️ She Rocks
O Rock In Rio 2022 está vindo aí em setembro e como parte da estratégia dessa edição "do reencontro" lançou seu primeiro podcast, o She Rocks, que vai fundo no que significa ser mulher na indústria musical brasileira, falando com artistas, empresárias, compositoras, pesquisadoras e demais profissionais incríveis.
O SheRocks tá no meio da primeira temporada, que eu apresento junto com a amiga e parceira de pistas, vinhos e viagens, Renata Simões — sim, a repórter do ótimo Metrópolis da TV Cultura e colunista do Caderno2. Abaixo você encontra o primeiro episódio, que saiu no fins de julho, em que nós falamos com ninguém menos que Luisa Sonsa e a Roberta Medina. Sem falta modéstia, tá incrível:
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